top of page

A crise da democracia contemporânea só será resolvida olhando para o passado.

Atualizado: 10 de mar.


 

Nos últimos anos poucos temas chamaram tanto a atenção dos intelectuais quanto o estado da democracia ao redor do mundo, mesmo países outrora conhecidos como democracias saudáveis e com reconhecida estabilidade política entraram em ponto de ebulição. Os Estados Unidos se viram extremamente polarizados durante 2 ciclos eleitorais que suscitaram inclusive debates sobre uma possível Guerra Civil e até mesmo secessão. Mesmo antes da era da tecnologia o que acontecia nos Estados Unidos era um termômetro para o restante do mundo, a globalização e os novos meios de comunicação tornaram esse processo ainda mais dinâmico e rápido, o debate sobre a natureza e a capacidade da democracia em responder aos problemas da “Pólis contemporânea” que ocorreu na América se difundiu para outras grandes democracias como a Europa e o Brasil.


Não é segredo para ninguém que a Democracia nos moldes atuais não está atendendo aos anseios da população, ainda que grande parte da fúria da plebe seja fabricada pelos vendedores do caos das redes sociais é necessário observar os sinais de insatisfação, muitas revoluções ocorreram com a motivação errada, o exemplo mais cristalino de todos foi o processo revolucionário francês em 1789, mas ainda assim os processos revolucionários ocorreram, e salvo uma ou duas exceções como a Revolução Gloriosa de 1642 e a Revolução Americana de 1766 que além de bem fundamentadas e intencionadas, foram capazes de uma raríssima autocontenção em meio ao caos do processo revolucionário, todas produziram mais dano do que benefício para as sociedades que entraram em processo revolucionário. Se engana quem pensa que o Brasil estaria muito longe disso, todos que assistiram ao Maio de 2013 viram o que é um estágio pré-revolucionário, imaginem então um estágio revolucionário.


Devido a esses fatores se faz de urgente necessidade tentar restaurar um modelo de democracia mais competente e funcional. Winston Churchill, o grande primeiro ministro britânico e um dos maiores responsáveis pela derrota do Nazismo na segunda guerra mundial (1939-1945) certa vez disse que “Diversas formas de governo foram testadas e muitas outras serão ainda neste mundo de pecado e aflição. Ninguém pretende que a democracia seja perfeita e onisciente. É verdade que têm sido dito que a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras formas que já foram tentadas na história” ( CHURCHILL, Winston. Parliament Bill. Câmara dos Comuns,11 de Nov. 1947).


Muitos se esquecem que a democracia assim como todos os demais sistemas políticos foram sistemas construído pelos homens, e portanto falhos em algum grau e de alguma maneira, a questão é que a democracia é o que melhor harmoniza os interesses conflitantes existentes na sociedade. Churchill estava bem embasado no que disse, séculos antes o filósofo político Thomas Hobbes já havia delineado a verdade inconveniente da humanidade, a natureza humana é má. No capítulo XIII do Leviatã, sua Magnum opus Hobbes expõe que deixados em um estado natural a humanidade entraria na “Bellum omnium contra omnes”. “Não há conhecimento na face da terra, nem artes, letras; ou sociedade; pior de tudo, haveria o medo da perpétuo da morte violenta”. (HOBBES,1651, p 109). Hobbes não estava falando sobre a democracia, e sim sobre a necessidade de um Estado acima dos homens para harmonizar a sociedade, mas guardem a conclusão dele sobre a natureza humana para um momento posterior que ela será importante.


O pessimismo Hobbesiano serve como um Cautionary Tale sobre todos os empreendimentos humanos, inclusive os sistemas políticos, posteriormente a filosofia e a sociologia começariam a debater a dualidade entre agente-estrutura e qual teria mais influência sobre o outro, mas isso não será aprofundado aqui, o importante é entender a natureza imperfeita e maléfica do homem para combater as utopias, inclusive a de que a democracia seria tão perfeita que não poderia sequer ser discutida, a dogmatização do termo contribuiu para a sua inoperância contemporânea.


Aqui a coisa se complica de maneira considerável pois os dois polos político/ideológicos que pautam o debate público atual estão oferecendo soluções que ampliam a crise do modelo democrático. Os dois polos políticos dignos de nota para esses fins são a Direita Alternativa e a Esquerda Progressista.


A Direita Alternativa é um conceito multifacetado, e em vários casos mal explicado filosoficamente e teoricamente, alguns chamam de reacionários, mas filosoficamente o conceito não se aplica, pois não se trata apenas de uma nostalgia ou de querer reviver o passado, mas sim de um projeto de Estado e sociedade próprio, por isso o termo alternativa faz mais sentido que outras denominações. Seu surgimento ocorre no início da década de 2010 por basicamente dois fatores: Primeiro que a solução empregada por Barack Obama para solucionar a grave crise financeira de 2008 foi uma solução “liberal” houve um resgate das grandes companhias para manter o sistema funcionando, e muitos se viram deixados para trás por um governo que em teoria deveria olhar por eles, afinal Obama chega ao poder como um arauto da social-democracia. Esse descontentamento está diretamente relacionado a eleição de Donald Trump em 2016 tida como senão o marco zero desse fenômeno, uma vez que o Brexit ocorreu alguns meses antes, mas como o marco mais relevante dessa corrente de pensamento.


O segundo motivo que explica o surgimento da Direita Alternativa se deu também por uma ação de Obama, o democrata foi o primeiro político em décadas a tentar usar a raça como um chamariz de votos, a questão racial americana estava pacificada devido as ações de Martin Luther King. Obama abriu uma espécie de caixa de pandora, o que seria apenas uma estratégia eleitoral que o permitisse chegar até o salão oval se transformou em um monstrengo que engoliu a cultura ocidental durante aproximadamente uma década e que hoje chamamos de Cultura Woke. Todas as minorias então aplicaram a mesma estratégia, pressionaram e ameaçaram com cancelamento e boicotes as grandes empresas e os grandes bancos caso não apoiassem a histeria coletiva do momento, o próprio Estado teve sua ordem subvertida para se adequar ao progressismo desenfreado. Deixando margens para que os intelectuais da Direita Alternativa se perguntassem, realmente existe democracia nesse cenário?


A Direita Alternativa então vai enxergar na Democracia um inimigo a ser combatido seja por via libertária em busca de uma redução quase total do Estado e uma privatização da própria democracia (Millei) seja por uma reavaliação sobre o papel que foi retirado da religião na Política (Morawieck ,Orban), seja por uma nostalgia com os regimes nacionalistas autoritários do século XX ( Le Pen, Ventura, Abascal ), ou com uma espécie de resgate de formas democráticas diretas (Trump e Bolsonaro muitas vezes falaram em remover agentes e agências intermediárias entre o Cidadão e o poder, e no caso do brasileiro muito se considerou a possibilidade de uma democracia plebiscitária para superar os conflitos entre executivo e judiciário).


Richard Weaver, um importante filósofo americano do século XX alertou, Ideias têm consequências, é por isso que podemos dizer que a Esquerda pavimentou o caminho para a Direita Alternativa.


A esquerda progressista enxerga na democracia uma extensão de seu projeto revolucionário, o movimento construtivista surgido na década de 60 que deixou as bases para o progressismo pós-moderno atacando de forma voraz a lógica básica do racionalismo moderno forçou o sistema a cada vez mais se expandir, ao ponto dele perigosamente parar de funcionar como temos observado. Basta analisarmos ás diferentes gerações dos direitos que começaram com meras positivações do chamado direito natural ( vida, liberdade e propriedade) e hoje se expandiram para além da capacidade do Estado de conseguir garantir todos esses direitos, alguns autores do Direito Internacional já falam inclusive que existem até mesmo seis gerações de direitos, a pressão progressista por incluir cada vez mais grupos considerados minoritários dentro do sistema colocou o modelo democrático em crise.


Além da agenda das duas ideologias majoritárias da atualidade não contribuir para a solução dos problemas relacionados ao modelo democrático, elas demonstram um profundo desconhecimento e até mesmo uma certa aversão a mesma, no caso da esquerda isso é esperado pois é uma linha de pensamento pautada diretamente na criação de um futuro que nunca chega, devidamente caracterizada então como utopia. Mas esse tipo de comportamento vindo da direita é difícil entender. Todas as soluções oferecidas pela Direita Alternativa são falhas. Um dos elementos básicos do Conservadorismo que parece ter sido esquecido pelos direitistas atuais é o conselho de Michael Oakeshott “ Ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o experimentado ao não experimentado...” ( OAKESHOTT, 1956, p 168). A firme instância conservadora anti-revolucionária deriva dessa percepção que o filósofo britânico também defendia. Hobbes já alertava, então como acreditar na possibilidade de paz social sem o Estado como os seguidores de Millei defendem?


A Direita alternativa por muitas vezes não se importa em usar expedientes revolucionários, fora uma visão moral tradicional, existem poucas diferenças entre os métodos desses atores. A visão sobre a democracia direta que Trump e Bolsonaro já expressaram simpatia é ingênua, confiar os destinos da Nação e do sistema democrático diretamente ao povo é a receita para o caos. Hitler chegou ao poder aclamado e como um líder popular.


O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que ele existe, a democracia contemporânea chegou ao breaking point, porém ao olhar para o passado temos como reestabelecer o seu funcionamento. Um grupo de intelectuais italianos como Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca, e Robert Michels (Alemão, porém radicado na Itália) no fim do século XIX e início do século XX começaram a dar uma resposta interessante, já na segunda metade do século XX o pensador austríaco Josep Schumpeter iria aperfeiçoar as visões deles e compatibilizar os insights elitistas com a democracia no seu clássico Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942)


Para o autor seria necessário impedir que a democracia se tornasse tão democrática para conseguir a preservação do sistema, Schumpeter não está inventando a roda aqui, mais uma vez a história é importante e nos mostra o que fazer, ele está apenas retomando a obra dos filósofos gregos, em especial Aristóteles que já alertavam sobre os perigos da Democracia se desvirtuar para a demagogia através do populismo, Alexis de Tocqueville também já havia alertado para a necessária salva guarda do sistema através de corpos intermediários no também clássico Democracia na América (1835).


Schumpeter foi contemporâneo do horror cometido pelo Nazi-Fascismo é natural que ele fosse cético quanto a população ter um peso maior dentro do sistema e ele estava correto, por isso seria necessário criar salvaguardas para os excessos do sistema, uma das maneiras seria com o papel preponderante das elites bem educadas e não ignorantes uma vez que a natureza humana embora seja racional, em assuntos políticos com frequência é tomada pelas emoções, se a sociedade em questão se tratar de uma sociedade de massa a situação se torna ainda pior. Não é razoável esperar de um indivíduo comum a capacidade de deliberar sobre as Agendas da política nacional ou da política internacional quando até mesmo em seu universo imediato esse indivíduo toma as piores decisões possíveis. Para Schumpeter a democracia seria mais eficiente e efetiva se os líderes políticos não tivessem que lidar com meros palpites advindos das massas. É difícil discordar dele. Se os verdadeiros democratas hoje em dia comungam da visão de Winston Churchill é necessário se opor tanto ao projeto da direita alternativa quanto ao projeto da esquerda progressista. Conservadores já estão acostumados com isso afinal como dizia Roger Scruton “Somos chatos, mas também estamos certos”


Referências Bibliográficas


  • CHURCHILL, Winston. Discurso na Camâra dos Comuns. 11 de Novembro de 1947.

    Disponível em < https://api.parliament.uk/historic-

    hansard/commons/1947/nov/11/parliament-bill >. Acesso em 15/01/2025.

  • GIANTURCO, Adriano. A Ciência da Política: Uma introdução. Rio de Janeiro. Grupo

    GEN Editorial. 2018

  • HOBBES, Thomas.(1651) Leviatã ou Matéria, forma e poder de um governo

    eclesiástico e civil. São Paulo. Martin Claret. 2014

  • OAKESHOTT, Michael. Racionalismo na Política e outros ensaios. Belo Horizonte.

    Editora Ayine. 2020

  • SCRUTON, Roger. Como ser um Conservador. Rio de Janeiro. Editora Record. 2014

  • SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro:

    Fundo de Cultura. 1961.

  • WEAVER, Richard M. As Ideias têm consequências. São Paulo. É Realizações. 2016



Rodrigo Bueno é bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais (IBMEC). Pós graduado em Inteligência e Contra Inteligência pela Associação Brasileira de Estudos de Inteligência e Contra Inteligência (ABEIC/CSABE). Mestrando em Política Internacional ( PUC Minas ). Seu foco principal de estudos é a área da Política Internacional, Filosofia Política e Ciência Política. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3687844525565262


 

Videos indicados




Nossos parceiros



Leitura indicada



 
 
 

Commenti

Valutazione 0 stelle su 5.
Non ci sono ancora valutazioni

I commenti sono stati disattivati.
bottom of page